Dessalinização

Dessalinização: a solução para um país seco à beira-mar?

A redução da precipitação aliada ao aumento das temperaturas está a obrigar Portugal a encontrar soluções alternativas para satisfazer as necessidades de água. Com uma tão longa extensão de costa, a dessalinização parece ser uma solução óbvia. Mas divide opiniões.

Portugal é um país cada vez mais quente e seco, o que está a aumentar a pressão para uma correta gestão da água. O último Relatório do Estado do Ambiente, realizado pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), dá conta de que o ano hidrológico de 2021/2022 terminou com as reservas hídricas superficiais abaixo da média em 12 das 15 bacias hidrográficas, tendo as bacias do Sado, Mira e Ribeiras do Algarve – Barlavento apresentado o maior afastamento da média e situação de seca. No que se refere ao armazenamento das albufeiras, todas as regiões apresentam reservas significativamente abaixo da média, com um maior afastamento da média na região norte.

Mas Portugal não está isolado. Num contexto mais abrangente, a Europa é o continente que regista o aquecimento mais rápido no mundo. As últimas estimativas da Organização Meteorológica Mundial (OMM), juntamente com o Serviço Copernicus para as Alterações Climáticas da União Europeia, indicam que a Europa está a aquecer duas vezes mais depressa do que a média mundial. Em 2022, a Europa já estava cerca de 2,3 graus centígrados acima da média pré-industrial, trazendo consequências várias, como aquecimento geral, ondas de calor, cheias, tempestades, incêndios e seca.

Neste contexto, Portugal está a encontrar alternativas para satisfazer as suas necessidades presentes e futuras de água. A dessalinização surge como uma alternativa que até agora praticamente não tinha sido equacionada. Em território nacional, apenas a ilha de Porto Santo tem uma central de dessalinização a funcionar há precisamente 43 anos. Por outro lado, a vizinha Espanha tem cerca de 800.

Em Portugal Continental, a primeira central de dessalinização, localizada em Albufeira, deverá estar operacional em 2026, sendo que está prevista uma outra central para o Alentejo litoral.

Mas porque é que, com uma tão longa extensão de costa, só agora Portugal Continental vai apostar em centrais de dessalinização? Ao Negócios, o Ministério do Ambiente justificou que “há que ter em conta que os custos de investimento, operação e conservação de um equipamento deste tipo são acrescidos“. “Este tipo de solução deve ser sempre ponderada como solução de recurso e de máxima eficácia, assumida como complemento de outras origens de água“, frisa. Para o gabinete do ministro Duarte Cordeiro, mais do que apostar em centrais de dessalinização, “a prioridade deve ser desenvolver o uso eficiente da água, bem como reduzir drasticamente perdas nos sistemas de distribuição urbanos em baixa e nos sistemas agrícolas“. Porém, “os cenários de seca e as previsões de redução futura da precipitação levam que hoje seja considerada pelo setor público como solução de contingência ou pelo setor privado para garantir previsibilidade“.

Tendo em conta que a escassez de água será um problema a agravar-se, a dessalinização surge como uma solução que deverá integrar um leque variado de opções, defende também Pedro Matias, presidente do ISQ – Centro de Interface e Tecnologia. “É preciso encarar este problema de forma inteligente e séria e desenvolver soluções que hoje a tecnologia mais avançada já permite. O que se vai passar no futuro é que a solução para a falta de água tem de ser feita com recurso a várias formas. Ou seja, será sempre um “mix”, afirma. “Uma solução não exclui outras e o país tem de construir um ‘mix’ de soluções onde entra a eficiência de utilização, o aproveitamento secundário de várias fontes de água e também a dessalinização.”

O ISQ, que trabalha na área da engenharia e consultoria, tem vindo a desenvolver projetos com empresas e centros de saber, nomeadamente com Israel, Espanha ou Arábia Saudita, com vista a promover a dessalinização em Portugal. Na Arábia Saudita, um país com 33 milhões de habitantes e dos mais secos do planeta, metade do abastecimento de água doce é feito com água dessalinizada.

Para Pedro Matias, em Portugal “ignorou-se esta tecnologia, eventualmente, por algum desconhecimento“. Porém, “o que vemos é que a tecnologia de dessalinização evoluiu muito e já permite produção mais eficaz e eficiente, menores consumos de energia e até mesmo o aproveitamento de alguns resíduos como matérias-primas secundárias“. Na sua perspetiva, a tendência “é que também aqui os preços de produção vão baixar“. E “podem ser desenvolvidos projetos privados através de concessões e depois venda de água à rede“, acrescenta.

Fonte: https://www.jornaldenegocios.pt/